Passei a última semana em New York City. Como comentou um amigo meu brincalhão, “na vida de barão”. Quem dera! Na verdade, fui a trabalho para uma série de reuniões e apresentações. Uma verdadeira experiência sociológica. Um mergulho em uma sociedade de privilegiados, em uma das metrópoles mais diversas e interessantes do planeta.
Eu me vi exposto a um grupo de pessoas muito ricas, ou de profissionais que trabalham para eles, e que vivem de “transações” 24 horas por dia. Em si mesmo um grupo diverso, indo desde um investidor bilionário de origem grega a um jovem com cara de recém-formado em Yale e admitido como sócio júnior de uma empresa de private equity. Todos os investidores, gestores, managers e todos “in between”, frequentando lugares sofisticados como o Harvard Club e o New York Yacht Club, que ficam a poucos metros de atrações turísticas como Times Square ou a Quinta Avenida, mas ao mesmo tempo são bastiões de uma elite financeira, e de certa forma cultural, onde os papos giram em torno de retornos dos investimentos e cifras bilionárias.
Quase todos têm a formação padrão de um financista norte-americano, com graduações em Princeton e Yale e mestrados em Cambridge e Harvard, seguidos de algum tipo de carreira no mercado financeiro. De certa forma, me surpreendo ainda com o fato de aqui também, “at the top of the world”, “in the city that never sleeps”, as conexões pessoais e familiares fazem parte da meritocracia.
Ainda que acostumado, me deixo impressionar com o dinamismo do mercado de capitais norte-americano, que financia negócios de variados portes e modelos, gerando a partir daí um enorme ciclo de experimentação, seleção natural e riqueza. De repente, vejo a conversa de um fundo que financia desde uma companhia de shale oil até uma de tomates orgânicos, passando por uma linha de produtos médicos que pretendem tornar mais fácil a vida de um paciente que vá se submeter a uma colonoscopia. Se você já chegou aos 50 anos, quando a colonoscopia entra no protocolo de check-up, e tem acesso a um sistema de saúde razoável, sabe muito bem o quão desconfortáveis podem ser as doze horas ou mais que precedem esse exame.
De repente, me vem à cabeça a música “Oh yeaah, I am a great pretender”, do grupo The Platters. Eu me vejo nesta viagem como em uma espécie de cena de teatro em que preciso fazer uma performance, ou, em usando a expressão da língua inglesa, me comportar como o “great pretender”. Ou seja, preciso, em bom português, “atuar” (ou operar?). Na minha cabeça isso toma a conotação de certa forma negativa de “fingir”. Fingir ser um deles, fingir gostar dessa vida e de repente estar às 11 horas da noite, após um dia inteiro de apresentações, cocktails e jantares, ouvindo um bom jazz no bar do hotel, mas ainda em companhia de alguns dos meus colegas de cena, discutindo.... transações. Eu me consolo com o fato destas não serem em geral as tais das “tenebrosas transações” que o Chico Buarque de Holanda, em seus dias de lucidez, compôs, cantou e denunciou. Apesar da minha crítica a uma valorização excessiva do lucro e retorno como parte importante da vida, ouço, acredito e concordo que também se trata aqui de algo baseado em uma ética, de uma visão de mundo que privilegia o trabalho duro e honesto. Na selva que produz tão agressiva seleção natural, de certa forma isso é uma arma e, usando o termo mercadológico, uma diferenciação.
A mim chama a atenção que, na nossa língua, o “pretender” carrega outro sentido, ou mais de um. Lembro-me de pretender como simplesmente querer, na medida em que eu “pretendo escrever uma crônica sobre minha viagem a Nova York”. Mas uma consulta ao dicionário me remete a definições como “pedir, exigir, reclamar”. Afinal, em que língua estou falando? A pergunta quase freudiana é: estou fingindo ou estou exigindo? Talvez esteja fingindo exigir. Ou exigindo de mim mesmo um fingimento doloroso que, como diria o poeta, chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
Passei a última semana em New York City. Como comentou um amigo meu brincalhão, “na vida de barão”. Quem dera! Na verdade, fui a trabalho para uma série de reuniões e apresentações. Uma verdadeira experiência sociológica. Um mergulho em uma sociedade de privilegiados, em uma das metrópoles mais diversas e interessantes do planeta.
Eu me vi exposto a um grupo de pessoas muito ricas, ou de profissionais que trabalham para eles, e que vivem de “transações” 24 horas por dia. Em si mesmo um grupo diverso, indo desde um investidor bilionário de origem grega a um jovem com cara de recém-formado em Yale e admitido como sócio júnior de uma empresa de private equity. Todos os investidores, gestores, managers e todos “in between”, frequentando lugares sofisticados como o Harvard Club e o New York Yacht Club, que ficam a poucos metros de atrações turísticas como Times Square ou a Quinta Avenida, mas ao mesmo tempo são bastiões de uma elite financeira, e de certa forma cultural, onde os papos giram em torno de retornos dos investimentos e cifras bilionárias.
Quase todos têm a formação padrão de um financista norte-americano, com graduações em Princeton e Yale e mestrados em Cambridge e Harvard, seguidos de algum tipo de carreira no mercado financeiro. De certa forma, me surpreendo ainda com o fato de aqui também, “at the top of the world”, “in the city that never sleeps”, as conexões pessoais e familiares fazem parte da meritocracia.
Ainda que acostumado, me deixo impressionar com o dinamismo do mercado de capitais norte-americano, que financia negócios de variados portes e modelos, gerando a partir daí um enorme ciclo de experimentação, seleção natural e riqueza. De repente, vejo a conversa de um fundo que financia desde uma companhia de shale oil até uma de tomates orgânicos, passando por uma linha de produtos médicos que pretendem tornar mais fácil a vida de um paciente que vá se submeter a uma colonoscopia. Se você já chegou aos 50 anos, quando a colonoscopia entra no protocolo de check-up, e tem acesso a um sistema de saúde razoável, sabe muito bem o quão desconfortáveis podem ser as doze horas ou mais que precedem esse exame.
De repente, me vem à cabeça a música “Oh yeaah, I am a great pretender”, do grupo The Platters. Eu me vejo nesta viagem como em uma espécie de cena de teatro em que preciso fazer uma performance, ou, em usando a expressão da língua inglesa, me comportar como o “great pretender”. Ou seja, preciso, em bom português, “atuar” (ou operar?). Na minha cabeça isso toma a conotação de certa forma negativa de “fingir”. Fingir ser um deles, fingir gostar dessa vida e de repente estar às 11 horas da noite, após um dia inteiro de apresentações, cocktails e jantares, ouvindo um bom jazz no bar do hotel, mas ainda em companhia de alguns dos meus colegas de cena, discutindo.... transações. Eu me consolo com o fato destas não serem em geral as tais das “tenebrosas transações” que o Chico Buarque de Holanda, em seus dias de lucidez, compôs, cantou e denunciou. Apesar da minha crítica a uma valorização excessiva do lucro e retorno como parte importante da vida, ouço, acredito e concordo que também se trata aqui de algo baseado em uma ética, de uma visão de mundo que privilegia o trabalho duro e honesto. Na selva que produz tão agressiva seleção natural, de certa forma isso é uma arma e, usando o termo mercadológico, uma diferenciação.
A mim chama a atenção que, na nossa língua, o “pretender” carrega outro sentido, ou mais de um. Lembro-me de pretender como simplesmente querer, na medida em que eu “pretendo escrever uma crônica sobre minha viagem a Nova York”. Mas uma consulta ao dicionário me remete a definições como “pedir, exigir, reclamar”. Afinal, em que língua estou falando? A pergunta quase freudiana é: estou fingindo ou estou exigindo? Talvez esteja fingindo exigir. Ou exigindo de mim mesmo um fingimento doloroso que, como diria o poeta, chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.