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Crônicas Brasileiras

Crônicas Brasileiras vol.3: O Glorioso Improvável

13/4/18

Todo ano esportivo começa com a abominação dos nossos campeonatos estaduais de futebol. Eles, com raras exceções, não motivam mais os torcedores, o que se reflete em estádios vazios e críticas generalizadas da chamada “crônica esportiva. Isso acontece obviamente até as finais dos torneios, quando em geral os nomes são sempre os mesmos e os clássicos reativam as rivalidades locais. De repente, vimos estádios cheios e todo mundo excitado com os jogos.

Este ano eu tive a felicidade de ver meus dois times de coração serem campeões estaduais. O Esporte Clube Bahia, o chamado Esquadrão de Aço ou popularmente “Baêa”, nada mais do que o usual: afinal, um time que vence 47 títulos estaduais em 88 disputados só não se torna chato porque o tal do BBMP representa o símbolo máximo da baianidade em ação e une a todos nós, inclusive os “vices” na interminável gozação e brincadeiras de crianças renovadas a cada BaVi, como se fosse o primeiro, e como se valesse o título mundial. Aliás, para os nossos adversários, vale mesmo, afinal o único título relevante deles são algumas goleadas infelizes do tempo em que nos encontrávamos sequestrados por uma máfia.

Mas essa crônica é dedicada mesmo ao improvável campeão carioca de 2018, o Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas, ou Fogão. O Botafogo teve a infelicidade de ser o maior time do planeta em uma época em que o futebol ainda não era negócio, e a televisão e depois a internet não eram ainda os fatores que influenciavam a formação das torcidas. O time que mais cedeu jogadores à Seleção Brasileira de Futebol, responsáveis por pelo menos três dos nossos títulos mundiais, entrou em decadência justamente no início da década de 1970, com a criação do Campeonato Brasileiro de Futebol, e a ascensão da Rede Globo. Mas quando eu o escolhi, ou quando fui escolhido, como se diz que ocorre para que alguém vire botafoguense, a história era outra. Como não torcer para o time de Garrincha que aparecia massacrando o Flamengo e quem mais lhe passasse pela frente nos resumos de futebol dos cinemas no saudoso Canal 100? Como não torcer pelo maior campeão do campeonato carioca e do torneio Rio-São Paulo na década de 60? Como não torcer pelo time de Manga, Nilton Santos, Amarildo, Didi, Heleno de Freitas e mais uma incontável lista de deuses do futebol que, para mim, se imortalizava em uma escalação mítica, lendária mesmo, de um Botafogo lá pelos idos de 1968, que jamais esqueci – Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir, Carlos Alberto e Gerson, Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César, tendo no banco ninguém menos que Mario Jorge Lobo Zagallo? Esse time foi bicampeão carioca em 1968, aplicando uma goleada de 4 x 0 no Vasco, perante quase 142 mil espectadores no Maracanã e, mais tarde, conquistaria o primeiro campeonato brasileiro dentre os times cariocas.

Mas o Glorioso ainda nos emocionava, a mim, ao meu pai e à quase totalidade dos irmãos, com o repetido improvável. Ouvíamos no rádio as narrações dos jogos e, nas poucas vezes em que a verdadeira “máquina” do time titular estivesse perdendo, o técnico da hora – aqui também uma verdadeira lista de celebridades, com o ilustre botafoguense João Saldanha no topo –, podíamos esperar a entrada do argentino Fisher e do jogador Ferrete. Ambos atacantes muito altos e nem tão habilidosos ligavam no time todo a tática do chuveirinho e, de repente, a gente ouvia o “é GOL e é do Botafogo”, na voz dos narradores Waldir Amaral ou Jorge Cury, da Rádio Globo. Logo depois, na voz do comentarista de arbitragem Mario Viana vinha o complemento “gol LEGAL”. E era legal demais mesmo.

Na final deste ano de 2018, depois de levar um gol do Vasco (aqui também o campeão pode mudar, mas o vice a gente já sabe quem é), nos acréscimos da primeira partida, de repente um outro argentino, o zagueiro Carli, me reavivou todas essas memórias. Com um gol aos 50 minutos, o Fogão vence o segundo jogo e leva a decisão para os pênaltis. Mais um estrangeiro, o goleiro uruguaio Gatito Fernandes (que na passagem pela boa terra teve a infelicidade de cair no lado vice da força) mostra que evoluiu e agarra tudo, sagrando o Glorioso como campeão carioca, cinquenta anos depois em cima do mesmo Vasco. Gatito aliás tem estatísticas de pegar penalidades máximas semelhantes às de campeão baiano do Baêa – agarrou 10 dos 19 pênaltis cobrados contra a meta do Fogão com ele sob as traves.

Como não pode faltar a minha tradicional análise ético-econômica, não importa qual seja o assunto, farei uma análise sobre o posicionamento do Botafogo no cenário futebolístico. O fenômeno da concentração econômica nos times mais populares, que cria campeonatos sem a improbabilidade tão caracteristicamente alvinegra, parece lentamente chegar ao Brasil. A ascensão do Corinthians como maior campeão nacional recente e a tortuosa, mas inevitável, estruturação do Flamengo levam os demais times a serem empurrados para nichos, onde a probabilidade de vencer um campeonato expressivo se reduz substancialmente. Sem muitos dados reais para analisar, meu feeling mostra a torcida botafoguense como tipicamente de classe média. Aquela que receia a violência que pode encontrar nos estádios, mas também aquela cujo orçamento e racionalidade não permitem ser a base de um sólido programa de sócio torcedor. Se vamos perdendo o povão e as elites (ambas seguindo a “lei de Gerson” e querendo ganhar tudo), pelo menos nos resta a perspectiva de podermos nos organizar em torno do Engenhão e do novo centro de treinamento financiado pela família Moreira Salles (o nosso charme ainda atrai parte das “nobrezas” brasucas) e esperarmos pelo inesperado. Afinal, há coisas que só acontecem com o Botafogo. Ruins, mas as boas também.

Crônicas Brasileiras vol.3: O Glorioso Improvável

13/4/18
Crônica

Todo ano esportivo começa com a abominação dos nossos campeonatos estaduais de futebol. Eles, com raras exceções, não motivam mais os torcedores, o que se reflete em estádios vazios e críticas generalizadas da chamada “crônica esportiva. Isso acontece obviamente até as finais dos torneios, quando em geral os nomes são sempre os mesmos e os clássicos reativam as rivalidades locais. De repente, vimos estádios cheios e todo mundo excitado com os jogos.

Este ano eu tive a felicidade de ver meus dois times de coração serem campeões estaduais. O Esporte Clube Bahia, o chamado Esquadrão de Aço ou popularmente “Baêa”, nada mais do que o usual: afinal, um time que vence 47 títulos estaduais em 88 disputados só não se torna chato porque o tal do BBMP representa o símbolo máximo da baianidade em ação e une a todos nós, inclusive os “vices” na interminável gozação e brincadeiras de crianças renovadas a cada BaVi, como se fosse o primeiro, e como se valesse o título mundial. Aliás, para os nossos adversários, vale mesmo, afinal o único título relevante deles são algumas goleadas infelizes do tempo em que nos encontrávamos sequestrados por uma máfia.

Mas essa crônica é dedicada mesmo ao improvável campeão carioca de 2018, o Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas, ou Fogão. O Botafogo teve a infelicidade de ser o maior time do planeta em uma época em que o futebol ainda não era negócio, e a televisão e depois a internet não eram ainda os fatores que influenciavam a formação das torcidas. O time que mais cedeu jogadores à Seleção Brasileira de Futebol, responsáveis por pelo menos três dos nossos títulos mundiais, entrou em decadência justamente no início da década de 1970, com a criação do Campeonato Brasileiro de Futebol, e a ascensão da Rede Globo. Mas quando eu o escolhi, ou quando fui escolhido, como se diz que ocorre para que alguém vire botafoguense, a história era outra. Como não torcer para o time de Garrincha que aparecia massacrando o Flamengo e quem mais lhe passasse pela frente nos resumos de futebol dos cinemas no saudoso Canal 100? Como não torcer pelo maior campeão do campeonato carioca e do torneio Rio-São Paulo na década de 60? Como não torcer pelo time de Manga, Nilton Santos, Amarildo, Didi, Heleno de Freitas e mais uma incontável lista de deuses do futebol que, para mim, se imortalizava em uma escalação mítica, lendária mesmo, de um Botafogo lá pelos idos de 1968, que jamais esqueci – Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir, Carlos Alberto e Gerson, Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César, tendo no banco ninguém menos que Mario Jorge Lobo Zagallo? Esse time foi bicampeão carioca em 1968, aplicando uma goleada de 4 x 0 no Vasco, perante quase 142 mil espectadores no Maracanã e, mais tarde, conquistaria o primeiro campeonato brasileiro dentre os times cariocas.

Mas o Glorioso ainda nos emocionava, a mim, ao meu pai e à quase totalidade dos irmãos, com o repetido improvável. Ouvíamos no rádio as narrações dos jogos e, nas poucas vezes em que a verdadeira “máquina” do time titular estivesse perdendo, o técnico da hora – aqui também uma verdadeira lista de celebridades, com o ilustre botafoguense João Saldanha no topo –, podíamos esperar a entrada do argentino Fisher e do jogador Ferrete. Ambos atacantes muito altos e nem tão habilidosos ligavam no time todo a tática do chuveirinho e, de repente, a gente ouvia o “é GOL e é do Botafogo”, na voz dos narradores Waldir Amaral ou Jorge Cury, da Rádio Globo. Logo depois, na voz do comentarista de arbitragem Mario Viana vinha o complemento “gol LEGAL”. E era legal demais mesmo.

Na final deste ano de 2018, depois de levar um gol do Vasco (aqui também o campeão pode mudar, mas o vice a gente já sabe quem é), nos acréscimos da primeira partida, de repente um outro argentino, o zagueiro Carli, me reavivou todas essas memórias. Com um gol aos 50 minutos, o Fogão vence o segundo jogo e leva a decisão para os pênaltis. Mais um estrangeiro, o goleiro uruguaio Gatito Fernandes (que na passagem pela boa terra teve a infelicidade de cair no lado vice da força) mostra que evoluiu e agarra tudo, sagrando o Glorioso como campeão carioca, cinquenta anos depois em cima do mesmo Vasco. Gatito aliás tem estatísticas de pegar penalidades máximas semelhantes às de campeão baiano do Baêa – agarrou 10 dos 19 pênaltis cobrados contra a meta do Fogão com ele sob as traves.

Como não pode faltar a minha tradicional análise ético-econômica, não importa qual seja o assunto, farei uma análise sobre o posicionamento do Botafogo no cenário futebolístico. O fenômeno da concentração econômica nos times mais populares, que cria campeonatos sem a improbabilidade tão caracteristicamente alvinegra, parece lentamente chegar ao Brasil. A ascensão do Corinthians como maior campeão nacional recente e a tortuosa, mas inevitável, estruturação do Flamengo levam os demais times a serem empurrados para nichos, onde a probabilidade de vencer um campeonato expressivo se reduz substancialmente. Sem muitos dados reais para analisar, meu feeling mostra a torcida botafoguense como tipicamente de classe média. Aquela que receia a violência que pode encontrar nos estádios, mas também aquela cujo orçamento e racionalidade não permitem ser a base de um sólido programa de sócio torcedor. Se vamos perdendo o povão e as elites (ambas seguindo a “lei de Gerson” e querendo ganhar tudo), pelo menos nos resta a perspectiva de podermos nos organizar em torno do Engenhão e do novo centro de treinamento financiado pela família Moreira Salles (o nosso charme ainda atrai parte das “nobrezas” brasucas) e esperarmos pelo inesperado. Afinal, há coisas que só acontecem com o Botafogo. Ruins, mas as boas também.