Como todo indisciplinado, estou atrasado, e muito, nos meus compromissos com os meus “leitores”. Tenho certeza de que eles agradecem.
Após a última crônica, alguém foi gentil o suficiente para me oferecer uma pauta. Wlamir (um antigo colega de colégio) sugeriu, e eu achei interessante, falar sobre gírias e a diferença na língua falada entre as gerações. Coisa de gente que está entrando na meia idade. Mais uma vez, dada a indisciplina, lutei o quanto pude para seguir esta recomendação. No final, contudo, a rebeldia adolescente falou mais alto. Ou talvez foi apenas a preguiça de fazer toda a pesquisa que seria necessária para escrever adequadamente sobre o tema.
Bem que tentei. Fiz um esforço de investigar o assunto. Penetrei disfarçado em blogs de adolescentes e até recebi um convite para entrar no Orkut com um dos meus pseudônimos. Tudo em vão. A única coisa que pude observar é que a comunidade cibernética ou uniformiza o jargão de forma globalizada, ou apenas cristaliza o que já existia fora dela. Assim, todos passam a escrever “naum” quando querem negar algo, a usar o termo “blz” para tudo. Mas, acima de tudo, fiquei assustado com a falta de conteúdo. Mais acentuadamente aqui nos States, os jovens passam a adotar uma linguagem minimalista, onde o cumprimento vira algo como “how R U doing”?” e a resposta a um “tenha um bom dia” vira “U2”. Nesse ritmo, em breve estaremos usando linguagem digital.
Como as crônicas são americanas, acabei focando os meus esforços nas peculiaridades idiomáticas dos habitantes locais. É incrível como a onda do “politicamente correto” impacta essa sociedade até mesmo nas coisas mais banais. Aqui não se usa mais termos religiosos nas expressões do dia a dia. Assim, o “my god” virou “my gosh” e o “what a hell” segue como “what a heck”. Foi a forma que eles arrumaram de manter a sonoridade da expressão, sem usar nada que possa “ofender”. Ao mesmo tempo, uma das primeiras expressões que aprendi por aqui até hoje me choca, já que no Brasil a sua tradução literal produziria algum mal-estar. É que, quando alguém comenta com o outro que conseguiu algo que queria muito, ou que está realizando algo legal, pode ouvir como resposta um sincero e delicado “good for you!!”. Seria algo assim como “bom pra você”, que sempre me soa no ouvido como uma expressão de inveja, já que é bom apenas para o outro. Quando ouço esta expressão, a minha tradução simultânea transforma imediatamente em algo como “Legal, e daí? Bom para você, eu não tenho nada a ganhar com isso”.
Uma fonte inesgotável de material idiomático está nos esportes. Para se participar de um papo no início do dia no trabalho, temos de rapidamente passar a entender termos como “touchdown” e “load the bases”, respectivamente do football e do baseball. Ultimamente, tenho me aproximado muito dos esportes americanos. Vou evoluindo o meu conhecimento e vocabulário ao sabor das vitórias dos times locais. No ano passado, virei um apaixonado pelos Patriots, o time de football local, que foi campeão nacional. Rapidamente incorporei “touchdown” e “quarterback”ao meu vocabulário, e devo admitir que passei até a admirar o esporte, talvez se não por outra razão, pela sua brutalidade.
Até então, adotava como último bastião de resistência aos esportes “deles” uma absoluta aversão ao baseball. Fui a um jogo no ano passado, com todos os meus colegas de escritório, e fiquei intrigado. Basta dizer que cheguei ao estádio mais de uma hora atrasado. E não estava só!! Além dos atrasados como eu na rua indo em direção ao estádio, víamos milhares que já estavam saindo, mesmo considerando que o jogo ainda duraria por pelo menos mais uma hora. Lá dentro, todos estavam como que num mundo da fantasia, onde é permitido beber cerveja ao ar livre. O resultado: as televisões penduradas sobre os bares do estádio davam mais ibope do que o campo de jogo em si. O jogo então me pareceu algo sofrível, onde nada acontecia, e, quando acontecia, eu, além de não entender, sequer conseguia ver, com aquela bolinha tão pequena sendo arremessada a metros e metros de distância de onde eu estava sentado.
Mas o fato é que os “bostonians” são absolutamente apaixonados pelo time de baseball local, o Boston Red Sox. E olha que o tal do time não ganhava o título há 86 anos, e eram o objeto de uma “curse” que se estabeleceu em 1918. Como eles gostam de lembrar aqui, na época do último título do time não existia televisão nem o Mickey Mouse. Gerações e gerações de “new englanders” viam tudo dar errado na hora H, para desespero geral, quase sempre terminando com a vitória do maior rival, os Yankees, de Nova York. Mas, ao contrário da torcida do nosso E. C Vitória, vulgo “Vitória da Bahia” (vicetória para os íntimos), as consecutivas derrotas e desastres só fizeram a torcida aumentar e ficar ainda mais fanática. Resultado: graças ao pé-quente aqui, que finalmente se rendeu ao baseball, ficou ligado nos “playoffs” e aprendeu o que é um “pitcher”, um “batter” e um “catcher”, o tal do Sox finalmente ganhou esse ano. O problema deles agora se resume a o que vão fazer da vida sem a tal da “curse” que acabou virando a razão de ser do time e o fator de união da torcida. Imagina se isso acontece ao Botafogo?
Uma das coisas mais arrogantes que tem aqui é que o campeão de baseball ganha a “World Series”. Na verdade, só jogam times americanos e um ou outro canadense. Mas isso apenas confirma que, para eles, o mundo não vai muito além disso mesmo.
Como já dei tanta sorte ao povo local, com a minha abençoada presença e o pé-quente de todo bom tricolor, só nos resta agora esperar uma vitória do senador por Massachussets, o John Kerry. Pelo menos há uma boa chance de a sorte se estender ao resto do mundo e de nós todos nos livrarmos do W.
Go Sox!!!! Yankees Go Home!!!!
P.S.: Se alguém quiser traduções dos termos, estou às ordens.... Por algumas “doletas”, “hacemos qq negócio”.
Como todo indisciplinado, estou atrasado, e muito, nos meus compromissos com os meus “leitores”. Tenho certeza de que eles agradecem.
Após a última crônica, alguém foi gentil o suficiente para me oferecer uma pauta. Wlamir (um antigo colega de colégio) sugeriu, e eu achei interessante, falar sobre gírias e a diferença na língua falada entre as gerações. Coisa de gente que está entrando na meia idade. Mais uma vez, dada a indisciplina, lutei o quanto pude para seguir esta recomendação. No final, contudo, a rebeldia adolescente falou mais alto. Ou talvez foi apenas a preguiça de fazer toda a pesquisa que seria necessária para escrever adequadamente sobre o tema.
Bem que tentei. Fiz um esforço de investigar o assunto. Penetrei disfarçado em blogs de adolescentes e até recebi um convite para entrar no Orkut com um dos meus pseudônimos. Tudo em vão. A única coisa que pude observar é que a comunidade cibernética ou uniformiza o jargão de forma globalizada, ou apenas cristaliza o que já existia fora dela. Assim, todos passam a escrever “naum” quando querem negar algo, a usar o termo “blz” para tudo. Mas, acima de tudo, fiquei assustado com a falta de conteúdo. Mais acentuadamente aqui nos States, os jovens passam a adotar uma linguagem minimalista, onde o cumprimento vira algo como “how R U doing”?” e a resposta a um “tenha um bom dia” vira “U2”. Nesse ritmo, em breve estaremos usando linguagem digital.
Como as crônicas são americanas, acabei focando os meus esforços nas peculiaridades idiomáticas dos habitantes locais. É incrível como a onda do “politicamente correto” impacta essa sociedade até mesmo nas coisas mais banais. Aqui não se usa mais termos religiosos nas expressões do dia a dia. Assim, o “my god” virou “my gosh” e o “what a hell” segue como “what a heck”. Foi a forma que eles arrumaram de manter a sonoridade da expressão, sem usar nada que possa “ofender”. Ao mesmo tempo, uma das primeiras expressões que aprendi por aqui até hoje me choca, já que no Brasil a sua tradução literal produziria algum mal-estar. É que, quando alguém comenta com o outro que conseguiu algo que queria muito, ou que está realizando algo legal, pode ouvir como resposta um sincero e delicado “good for you!!”. Seria algo assim como “bom pra você”, que sempre me soa no ouvido como uma expressão de inveja, já que é bom apenas para o outro. Quando ouço esta expressão, a minha tradução simultânea transforma imediatamente em algo como “Legal, e daí? Bom para você, eu não tenho nada a ganhar com isso”.
Uma fonte inesgotável de material idiomático está nos esportes. Para se participar de um papo no início do dia no trabalho, temos de rapidamente passar a entender termos como “touchdown” e “load the bases”, respectivamente do football e do baseball. Ultimamente, tenho me aproximado muito dos esportes americanos. Vou evoluindo o meu conhecimento e vocabulário ao sabor das vitórias dos times locais. No ano passado, virei um apaixonado pelos Patriots, o time de football local, que foi campeão nacional. Rapidamente incorporei “touchdown” e “quarterback”ao meu vocabulário, e devo admitir que passei até a admirar o esporte, talvez se não por outra razão, pela sua brutalidade.
Até então, adotava como último bastião de resistência aos esportes “deles” uma absoluta aversão ao baseball. Fui a um jogo no ano passado, com todos os meus colegas de escritório, e fiquei intrigado. Basta dizer que cheguei ao estádio mais de uma hora atrasado. E não estava só!! Além dos atrasados como eu na rua indo em direção ao estádio, víamos milhares que já estavam saindo, mesmo considerando que o jogo ainda duraria por pelo menos mais uma hora. Lá dentro, todos estavam como que num mundo da fantasia, onde é permitido beber cerveja ao ar livre. O resultado: as televisões penduradas sobre os bares do estádio davam mais ibope do que o campo de jogo em si. O jogo então me pareceu algo sofrível, onde nada acontecia, e, quando acontecia, eu, além de não entender, sequer conseguia ver, com aquela bolinha tão pequena sendo arremessada a metros e metros de distância de onde eu estava sentado.
Mas o fato é que os “bostonians” são absolutamente apaixonados pelo time de baseball local, o Boston Red Sox. E olha que o tal do time não ganhava o título há 86 anos, e eram o objeto de uma “curse” que se estabeleceu em 1918. Como eles gostam de lembrar aqui, na época do último título do time não existia televisão nem o Mickey Mouse. Gerações e gerações de “new englanders” viam tudo dar errado na hora H, para desespero geral, quase sempre terminando com a vitória do maior rival, os Yankees, de Nova York. Mas, ao contrário da torcida do nosso E. C Vitória, vulgo “Vitória da Bahia” (vicetória para os íntimos), as consecutivas derrotas e desastres só fizeram a torcida aumentar e ficar ainda mais fanática. Resultado: graças ao pé-quente aqui, que finalmente se rendeu ao baseball, ficou ligado nos “playoffs” e aprendeu o que é um “pitcher”, um “batter” e um “catcher”, o tal do Sox finalmente ganhou esse ano. O problema deles agora se resume a o que vão fazer da vida sem a tal da “curse” que acabou virando a razão de ser do time e o fator de união da torcida. Imagina se isso acontece ao Botafogo?
Uma das coisas mais arrogantes que tem aqui é que o campeão de baseball ganha a “World Series”. Na verdade, só jogam times americanos e um ou outro canadense. Mas isso apenas confirma que, para eles, o mundo não vai muito além disso mesmo.
Como já dei tanta sorte ao povo local, com a minha abençoada presença e o pé-quente de todo bom tricolor, só nos resta agora esperar uma vitória do senador por Massachussets, o John Kerry. Pelo menos há uma boa chance de a sorte se estender ao resto do mundo e de nós todos nos livrarmos do W.
Go Sox!!!! Yankees Go Home!!!!
P.S.: Se alguém quiser traduções dos termos, estou às ordens.... Por algumas “doletas”, “hacemos qq negócio”.