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Crônicas Americanas

Crônicas Americanas vol.3: Americano beleza na sombra do UFO

13/9/04

Começo a escrever o volume 3 das crônicas no mais alto estilo da vida corporativa americana. Estou aqui a 30 mil pés de altura em um Boeing 767 da Delta, teclando no meu laptop IBM, usando software da Microsoft e ouvindo música no meu Apple ipod. Apenas um pequeno detalhe destoa: estou ouvindo “Maluco beleza”, de Raul Seixas. Entre as metamorfoses ambulantes e aqueles que nasceram há dez mil anos atrás, fico aqui, qual um maluco mesmo, cantando meu rock’n’roll tupiniquim e com receio de estar gritando além dos limites do que os gringos ao meu lado julguem razoável.

Para vocês terem uma ideia das loucuras cotidianas que temos de enfrentar nessa sociedade de obsessivos, estou neste momento indo de Boston para Atlanta para cumprir uma jornada de trabalho sui generis. Eu e três outros membros do meu time estamos viajando de Boston, Nova York e Dallas, em uma média de duas horas de voo cada. Ao chegarmos ao nosso destino comum, o aeroporto de Atlanta, vamos nos dirigir ao business center do próprio aeroporto e nos encontrarmos com o último integrante do time que mora nos subúrbios por lá. Trabalharemos então por cerca de seis horas e, ao final do dia, voltamos para nossas casas. Quando o meu chefe sugeriu essa programação na semana passada, eu pensei que ele estava brincando, sacaneando mesmo. Rapidamente, porém, comecei a ver os outros acharem aquilo uma ótima ideia. Talvez apenas para ressaltar minha condição de “alien” perguntei explicitamente se aquilo era sério ou apenas uma brincadeira. Apenas para ouvir em uníssono que devia reservar meu ticket imediatamente.

Eles, os americanos, não conseguem entender nossa perplexidade perante estas práticas. E nós, ou seja, o “resto do mundo”, também não “ajudamos muito” na medida em que temos uma dificuldade enorme em assimilar coisas assim. Nunca me esquecerei da minha primeira conference call. Por solicitação do líder do projeto em que trabalhava, eu simplesmente agendei a tal da call, envolvendo várias pessoas importantes. No dia e hora marcados, todos discaram para o número da conferência e um silêncio constrangedor perdurou por cerca de 2 a 3 minutos. A mensagem gravada indicava a presença de todos na call, mas ninguém se pronunciava. Eu, obviamente, na expectativa de ser um mero espectador, não seria o primeiro a fazê-lo. Ao final daqueles intermináveis minutos, o sócio então me perguntou se eu iria ou não abrir a call, já que a tinha agendado e estava na posição de “chair”. Na minha vergonha, gaguejei durante algum tempo, na desesperada tentativa de transferir a palavra para qualquer um dos demais.

Caetano Veloso, cantando uma versão de “Black or white” de Michael Jackson, insere uns comentários interessantes sobre os norte-americanos. Dentre outras coisas ele fala como “Americanos são muito estatísticos (???). Com olhos de brilho entrante que vão fundo no que olham, mas não no próprio fundo. Para os americanos branco é branco, preto é preto e a mulata não é a tal. Americanos representam grande parte da alegria existente neste mundo. Americanos sentem que algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando”. Na sua confusa “caetanice”, ele celebra uma suposta objetividade dos americanos e, em determinado ponto, ele diz que, aqui embaixo (lá para as bandas de vocês), a indefinição é o regime.

Tenho uma dificuldade enorme de definir os “americanos”. Começo por não gostar deste termo, que sinto de certa forma usurpado, já que americanos nós também o somos. Mas o fato é que este país é na verdade tão diverso que fica difícil abordar o termo sem o risco de cairmos nos estereótipos. Semana passada, estava no parque com o meu filho, e fui apresentado ao pai da minha vizinha de baixo, um arquiteto inglês que já mora há muito tempo nos Estados Unidos. Curioso, ele me perguntou sobre minha experiência neste país e o que eu achava dos americanos. Joguei o meu discurso do não estereótipo e ele foi direto e incisivo na sua contra-resposta: “eles sempre acham que são os melhores em tudo, o que implica que nós somente podemos almejar no máximo o segundo lugar”. Talvez esteja aí algo que os une, e que faz o resto do mundo amá-los (especialmente se querem se tornar um deles) ou odiá-los.

Bom, todo esse papo sobre os gringos, no fundo, me remete a uma questão mais essencial sobre mim mesmo. Estou aqui, sou parte disso e usufruo as benesses dessa sociedade de consumo. Tudo bem que ainda não comprei o meu Jaguar conversível, mas, no ritmo que vou, chego lá. Ao mesmo tempo, quero estar de volta ao Brasil, poder algum dia escrever algo e não me ver refém dessa competitividade e da necessidade de acumular bens e riquezas. Definitivamente não me adapto, pois ainda devo estar na indefinição a que se refere Caetano. Por isso, não os compreendo, e nem sou por eles compreendido. Ainda não completei meu ciclo na América. Preciso absorver esta autoconfiança de quem se julga o melhor do mundo, perder as inibições. O desafio é como fazer isso sem me tornar um deles, e sem acabar, como diria Raul, sentado “no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”. Cadê a sombra do meu disco voador??????!!!!

Crônicas Americanas vol.3: Americano beleza na sombra do UFO

13/9/04
Crônica

Começo a escrever o volume 3 das crônicas no mais alto estilo da vida corporativa americana. Estou aqui a 30 mil pés de altura em um Boeing 767 da Delta, teclando no meu laptop IBM, usando software da Microsoft e ouvindo música no meu Apple ipod. Apenas um pequeno detalhe destoa: estou ouvindo “Maluco beleza”, de Raul Seixas. Entre as metamorfoses ambulantes e aqueles que nasceram há dez mil anos atrás, fico aqui, qual um maluco mesmo, cantando meu rock’n’roll tupiniquim e com receio de estar gritando além dos limites do que os gringos ao meu lado julguem razoável.

Para vocês terem uma ideia das loucuras cotidianas que temos de enfrentar nessa sociedade de obsessivos, estou neste momento indo de Boston para Atlanta para cumprir uma jornada de trabalho sui generis. Eu e três outros membros do meu time estamos viajando de Boston, Nova York e Dallas, em uma média de duas horas de voo cada. Ao chegarmos ao nosso destino comum, o aeroporto de Atlanta, vamos nos dirigir ao business center do próprio aeroporto e nos encontrarmos com o último integrante do time que mora nos subúrbios por lá. Trabalharemos então por cerca de seis horas e, ao final do dia, voltamos para nossas casas. Quando o meu chefe sugeriu essa programação na semana passada, eu pensei que ele estava brincando, sacaneando mesmo. Rapidamente, porém, comecei a ver os outros acharem aquilo uma ótima ideia. Talvez apenas para ressaltar minha condição de “alien” perguntei explicitamente se aquilo era sério ou apenas uma brincadeira. Apenas para ouvir em uníssono que devia reservar meu ticket imediatamente.

Eles, os americanos, não conseguem entender nossa perplexidade perante estas práticas. E nós, ou seja, o “resto do mundo”, também não “ajudamos muito” na medida em que temos uma dificuldade enorme em assimilar coisas assim. Nunca me esquecerei da minha primeira conference call. Por solicitação do líder do projeto em que trabalhava, eu simplesmente agendei a tal da call, envolvendo várias pessoas importantes. No dia e hora marcados, todos discaram para o número da conferência e um silêncio constrangedor perdurou por cerca de 2 a 3 minutos. A mensagem gravada indicava a presença de todos na call, mas ninguém se pronunciava. Eu, obviamente, na expectativa de ser um mero espectador, não seria o primeiro a fazê-lo. Ao final daqueles intermináveis minutos, o sócio então me perguntou se eu iria ou não abrir a call, já que a tinha agendado e estava na posição de “chair”. Na minha vergonha, gaguejei durante algum tempo, na desesperada tentativa de transferir a palavra para qualquer um dos demais.

Caetano Veloso, cantando uma versão de “Black or white” de Michael Jackson, insere uns comentários interessantes sobre os norte-americanos. Dentre outras coisas ele fala como “Americanos são muito estatísticos (???). Com olhos de brilho entrante que vão fundo no que olham, mas não no próprio fundo. Para os americanos branco é branco, preto é preto e a mulata não é a tal. Americanos representam grande parte da alegria existente neste mundo. Americanos sentem que algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando”. Na sua confusa “caetanice”, ele celebra uma suposta objetividade dos americanos e, em determinado ponto, ele diz que, aqui embaixo (lá para as bandas de vocês), a indefinição é o regime.

Tenho uma dificuldade enorme de definir os “americanos”. Começo por não gostar deste termo, que sinto de certa forma usurpado, já que americanos nós também o somos. Mas o fato é que este país é na verdade tão diverso que fica difícil abordar o termo sem o risco de cairmos nos estereótipos. Semana passada, estava no parque com o meu filho, e fui apresentado ao pai da minha vizinha de baixo, um arquiteto inglês que já mora há muito tempo nos Estados Unidos. Curioso, ele me perguntou sobre minha experiência neste país e o que eu achava dos americanos. Joguei o meu discurso do não estereótipo e ele foi direto e incisivo na sua contra-resposta: “eles sempre acham que são os melhores em tudo, o que implica que nós somente podemos almejar no máximo o segundo lugar”. Talvez esteja aí algo que os une, e que faz o resto do mundo amá-los (especialmente se querem se tornar um deles) ou odiá-los.

Bom, todo esse papo sobre os gringos, no fundo, me remete a uma questão mais essencial sobre mim mesmo. Estou aqui, sou parte disso e usufruo as benesses dessa sociedade de consumo. Tudo bem que ainda não comprei o meu Jaguar conversível, mas, no ritmo que vou, chego lá. Ao mesmo tempo, quero estar de volta ao Brasil, poder algum dia escrever algo e não me ver refém dessa competitividade e da necessidade de acumular bens e riquezas. Definitivamente não me adapto, pois ainda devo estar na indefinição a que se refere Caetano. Por isso, não os compreendo, e nem sou por eles compreendido. Ainda não completei meu ciclo na América. Preciso absorver esta autoconfiança de quem se julga o melhor do mundo, perder as inibições. O desafio é como fazer isso sem me tornar um deles, e sem acabar, como diria Raul, sentado “no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”. Cadê a sombra do meu disco voador??????!!!!