Meu livro de cabeceira no momento é a autobiografia de Gabriel Garcia Márquez, intitulada em inglês Living to tell the tale. O livro em si é extremamente interessante, e conta a história entre a infância e a adolescência do autor, até o momento da publicação do seu primeiro romance. Muito do que lemos em livros como Amor nos tempos do cólera ou Cem anos de solidão é de certa forma autobiográfico e percebemos como essas histórias se relacionam com a própria vida do autor e de sua família.
Mas, acima de tudo, o que chama minha atenção neste livro e que me faz refletir é a importância que os amigos mais próximos tiveram na formação de Gabriel. Sua relação com eles era de imensa proximidade e franqueza. Eles dividiam todo um idealismo e audácia de jovens que se permitiam sonhar alto, se engajando nas lutas e desafios de uma época em que ainda era possível sonhar com um admirável mundo novo, mesmo quando no meio das maiores desgraças. Claro que isso muitas vezes se refletia em uma imensa coragem, quase que abnegação. Para se ter uma ideia, Gabriel, até os seus 20 e tantos anos, ainda se vestia, e vivia, quase como um mendigo, não sendo capaz de se sustentar dignamente por meio da sua profissão de jornalista, ainda que bem-sucedido. Como ele mesmo revela, dinheiro para ele só se tornou de certa forma uma prioridade quando ele se viu forçado a ajudar sua família, de 12 ou mais irmãos além dos pais, que passava por momentos difíceis, em uma Colômbia quase que em guerra civil (desde então).
Revelo aqui uma certa frustração, um certo pessimismo, por achar que experiências como essa não se repetem mais. Deve ser a idade. Acho que, por mais que me sinta jovem aos quarenta, simplesmente não conseguimos mais pensar como jovens em início de vida, dispostos a ousar, e prontos para os sacrifícios que essa ousadia nos cobra. Será que é a minha idade ou será que o mundo realmente mudou e os jovens de hoje não se propõem mais a mudar o mundo? Ou será que eu apenas continuo incapaz de imaginar esse tipo de vida aventureira, que de várias formas admiro? Ou talvez seja apenas, como diria Cazuza, que “aquele garoto que queria mudar o mundo...agora assiste a tudo, de cima do muro”.
Mas deixando de lado essas abstrações mais complexas sobre a natureza do mundo atual e a nossa evolução como sociedade, me pergunto qual é a importância dos amigos na nossa formação. Claro que não foi por falta de amigos como os que Gabriel tinha que só comecei a me interessar por literatura quando já nos meus 20 anos. Mas por que uma turma de jovens inteligentes e interessantes (isso mesmo, a minha turma do colégio era tudo isso!) não conseguiu estabelecer uma relação que fosse além das brincadeiras cotidianas na realidade de um colégio jesuíta? Claro que éramos acima de tudo muito imaturos e, talvez, aqueles dentre nós que possam ter desenvolvido um certo gosto pela erudição acabavam por ser de certa forma hostilizados, tidos como “nerds” ou mesmo como pura e simplesmente chatos. Lembro-me de que até mesmo a leitura cotidiana dos jornais ou revistas mais informativas era uma raridade nos nossos tempos de colégio.
Por motivos enigmáticos que não sei explicar, me afastei dos meus amigos daquela época assim que entrei para a universidade. Foi então que comecei os meus primeiros imbróglios amorosos, destinados a serem surrealmente sérios, e de certa forma precoces pelos destinos a que me levavam. Claro que, para alguém ainda tão novo e ingênuo em relação às coisas da vida e do coração, essas relações funcionavam como uma espécie de torpor, adiando e pretendendo passar por cima das angústias e decisões necessárias nessa etapa das nossas vidas. Um grande favor me fez um desses amores da juventude, ao quebrar meu coração de forma quase dramática. Foi então que, duplamente doente, de amor e de uma hepatite que me condenou a ficar em casa por várias semanas, comecei a despertar para o prazer de ler. Lia de uma forma descontrolada, de tudo que podia encontrar na rica biblioteca de minha mãe. Por semanas e semanas fiquei inteiramente absorvido pela leitura. Isso me marcou tanto que, quando em análise, relembro-me de relatar um desejo alucinado de querer adoecer e passar a vida numa biblioteca, sem nenhuma obrigação ou decisão a tomar, apenas desfrutando do prazer da leitura. Esse prazer de ler continua até hoje (já liberado da doença, espero eu), mas nunca me permiti ou consegui o engajamento em uma turma de amigos com quem pudesse viajar em conjunto nessa aventura. Como teria sido importante poder ter com quem partilhar, de novo como Gabriel, as descobertas dos clássicos, ou dos mais novos lançamentos de autores contemporâneos. Mas barreiras que eu mesmo criei, e crio, me impediram de me conectar com aqueles que mais gosto nesse nível.
Durante esse ano de 2004, passamos a nos comunicar novamente, a minha velha turma do colégio. Reunidos por iniciativa de uma grande amiga, que sempre conseguiu ocupar um lugar de ponte entre os diversos “nós” (os indivíduos e grupos que compunham uma turma heterogênea e desfeita), acabamos por estabelecer um novo vínculo em virtude da sua morte inesperada e trágica. É grande a minha curiosidade sobre a vida e os destinos desses amigos queridos. Uns mais ligados que outros nos tempos de adolescentes, vejo hoje a todos com um grande enigma a ser decifrado. Fico a querer entender como nos tornamos o que somos hoje. Tenho imensa curiosidade pelos destinos pessoais de cada um e, mesmo com aqueles que nunca foram realmente muito próximos, sinto que hoje poderia ter uma relação mais calorosa, mais legal, engajada.
Vejo algo em comum, algo que nos une, mas que de certa forma não se concretiza. Quase como se um grande “gap” existisse, que não nos permite mais realizarmos uma amizade adulta e apenas nos remete aos tempos ingênuos da nossa juventude. Quando nos encontramos pessoalmente, viramos de novo aqueles adolescentes. Mas à distância, muitas vezes permanecemos como estranhos. Talvez seja a ausência da “ponte” que chamávamos de Kilma.
Esse grupo hoje se “encontra” virtualmente, graças às maravilhas da tecnologia que nos permitem “falar” uns com os outros, dispersos como estamos por esse mundo. Mas, ao mesmo tempo, o grupo se desencontra ao não conseguir ir fundo nesse próprio re-encontro. Talvez essa mesma tecnologia assuste e afugente os “normais” (que tanto tentamos ser enquanto quarentões). Será que associamos aqueles que passam a usá-la de forma intensa com os “nerds”, esse fantasma que nos assusta do passado? Não é à toa que os que mais usam os recursos da internet, dos chats, dos grupos de discussão sejam os pervertidos, os obsessivos e os vazios. Mas existem exceções, existem aqueles que se utilizam dos recursos tecnológicos para exercitar a criatividade, a interatividade, o conhecimento. Podemos nos tornar um grupo desses, ou deixarmos, como no passado, um vínculo se romper e voltamos para as nossas rotinas, nosso cotidiano. Para aqueles que desejem algo de novo está lançado o desafio.
Meu livro de cabeceira no momento é a autobiografia de Gabriel Garcia Márquez, intitulada em inglês Living to tell the tale. O livro em si é extremamente interessante, e conta a história entre a infância e a adolescência do autor, até o momento da publicação do seu primeiro romance. Muito do que lemos em livros como Amor nos tempos do cólera ou Cem anos de solidão é de certa forma autobiográfico e percebemos como essas histórias se relacionam com a própria vida do autor e de sua família.
Mas, acima de tudo, o que chama minha atenção neste livro e que me faz refletir é a importância que os amigos mais próximos tiveram na formação de Gabriel. Sua relação com eles era de imensa proximidade e franqueza. Eles dividiam todo um idealismo e audácia de jovens que se permitiam sonhar alto, se engajando nas lutas e desafios de uma época em que ainda era possível sonhar com um admirável mundo novo, mesmo quando no meio das maiores desgraças. Claro que isso muitas vezes se refletia em uma imensa coragem, quase que abnegação. Para se ter uma ideia, Gabriel, até os seus 20 e tantos anos, ainda se vestia, e vivia, quase como um mendigo, não sendo capaz de se sustentar dignamente por meio da sua profissão de jornalista, ainda que bem-sucedido. Como ele mesmo revela, dinheiro para ele só se tornou de certa forma uma prioridade quando ele se viu forçado a ajudar sua família, de 12 ou mais irmãos além dos pais, que passava por momentos difíceis, em uma Colômbia quase que em guerra civil (desde então).
Revelo aqui uma certa frustração, um certo pessimismo, por achar que experiências como essa não se repetem mais. Deve ser a idade. Acho que, por mais que me sinta jovem aos quarenta, simplesmente não conseguimos mais pensar como jovens em início de vida, dispostos a ousar, e prontos para os sacrifícios que essa ousadia nos cobra. Será que é a minha idade ou será que o mundo realmente mudou e os jovens de hoje não se propõem mais a mudar o mundo? Ou será que eu apenas continuo incapaz de imaginar esse tipo de vida aventureira, que de várias formas admiro? Ou talvez seja apenas, como diria Cazuza, que “aquele garoto que queria mudar o mundo...agora assiste a tudo, de cima do muro”.
Mas deixando de lado essas abstrações mais complexas sobre a natureza do mundo atual e a nossa evolução como sociedade, me pergunto qual é a importância dos amigos na nossa formação. Claro que não foi por falta de amigos como os que Gabriel tinha que só comecei a me interessar por literatura quando já nos meus 20 anos. Mas por que uma turma de jovens inteligentes e interessantes (isso mesmo, a minha turma do colégio era tudo isso!) não conseguiu estabelecer uma relação que fosse além das brincadeiras cotidianas na realidade de um colégio jesuíta? Claro que éramos acima de tudo muito imaturos e, talvez, aqueles dentre nós que possam ter desenvolvido um certo gosto pela erudição acabavam por ser de certa forma hostilizados, tidos como “nerds” ou mesmo como pura e simplesmente chatos. Lembro-me de que até mesmo a leitura cotidiana dos jornais ou revistas mais informativas era uma raridade nos nossos tempos de colégio.
Por motivos enigmáticos que não sei explicar, me afastei dos meus amigos daquela época assim que entrei para a universidade. Foi então que comecei os meus primeiros imbróglios amorosos, destinados a serem surrealmente sérios, e de certa forma precoces pelos destinos a que me levavam. Claro que, para alguém ainda tão novo e ingênuo em relação às coisas da vida e do coração, essas relações funcionavam como uma espécie de torpor, adiando e pretendendo passar por cima das angústias e decisões necessárias nessa etapa das nossas vidas. Um grande favor me fez um desses amores da juventude, ao quebrar meu coração de forma quase dramática. Foi então que, duplamente doente, de amor e de uma hepatite que me condenou a ficar em casa por várias semanas, comecei a despertar para o prazer de ler. Lia de uma forma descontrolada, de tudo que podia encontrar na rica biblioteca de minha mãe. Por semanas e semanas fiquei inteiramente absorvido pela leitura. Isso me marcou tanto que, quando em análise, relembro-me de relatar um desejo alucinado de querer adoecer e passar a vida numa biblioteca, sem nenhuma obrigação ou decisão a tomar, apenas desfrutando do prazer da leitura. Esse prazer de ler continua até hoje (já liberado da doença, espero eu), mas nunca me permiti ou consegui o engajamento em uma turma de amigos com quem pudesse viajar em conjunto nessa aventura. Como teria sido importante poder ter com quem partilhar, de novo como Gabriel, as descobertas dos clássicos, ou dos mais novos lançamentos de autores contemporâneos. Mas barreiras que eu mesmo criei, e crio, me impediram de me conectar com aqueles que mais gosto nesse nível.
Durante esse ano de 2004, passamos a nos comunicar novamente, a minha velha turma do colégio. Reunidos por iniciativa de uma grande amiga, que sempre conseguiu ocupar um lugar de ponte entre os diversos “nós” (os indivíduos e grupos que compunham uma turma heterogênea e desfeita), acabamos por estabelecer um novo vínculo em virtude da sua morte inesperada e trágica. É grande a minha curiosidade sobre a vida e os destinos desses amigos queridos. Uns mais ligados que outros nos tempos de adolescentes, vejo hoje a todos com um grande enigma a ser decifrado. Fico a querer entender como nos tornamos o que somos hoje. Tenho imensa curiosidade pelos destinos pessoais de cada um e, mesmo com aqueles que nunca foram realmente muito próximos, sinto que hoje poderia ter uma relação mais calorosa, mais legal, engajada.
Vejo algo em comum, algo que nos une, mas que de certa forma não se concretiza. Quase como se um grande “gap” existisse, que não nos permite mais realizarmos uma amizade adulta e apenas nos remete aos tempos ingênuos da nossa juventude. Quando nos encontramos pessoalmente, viramos de novo aqueles adolescentes. Mas à distância, muitas vezes permanecemos como estranhos. Talvez seja a ausência da “ponte” que chamávamos de Kilma.
Esse grupo hoje se “encontra” virtualmente, graças às maravilhas da tecnologia que nos permitem “falar” uns com os outros, dispersos como estamos por esse mundo. Mas, ao mesmo tempo, o grupo se desencontra ao não conseguir ir fundo nesse próprio re-encontro. Talvez essa mesma tecnologia assuste e afugente os “normais” (que tanto tentamos ser enquanto quarentões). Será que associamos aqueles que passam a usá-la de forma intensa com os “nerds”, esse fantasma que nos assusta do passado? Não é à toa que os que mais usam os recursos da internet, dos chats, dos grupos de discussão sejam os pervertidos, os obsessivos e os vazios. Mas existem exceções, existem aqueles que se utilizam dos recursos tecnológicos para exercitar a criatividade, a interatividade, o conhecimento. Podemos nos tornar um grupo desses, ou deixarmos, como no passado, um vínculo se romper e voltamos para as nossas rotinas, nosso cotidiano. Para aqueles que desejem algo de novo está lançado o desafio.